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O Radiotelescópio BINGO por Elcio Abdalla
Entrevista realizada por Márcia Dementshuk, assessoria da SEC&T, e colaboradora do Projeto BINGO
O governo da Paraíba estuda possibilidades de apoio ao projeto que resultará na construção do radiotelescópio chamado por BINGO, uma grande colaboração científica internacional, liderada por cientistas brasileiros.
O radiotelescópio será erguido na região serrana do município de Aguiar, no sertão da Paraíba, por ser uma zona livre de ondas eletromagnéticas (geradas pela transmissão de sinais de telefones móveis, televisão via satélite, e outros). Algumas etapas do projeto já estão em andamento, mas o equipamento principal será um observatório da proporção de um grande estádio de futebol como o Maracanã que irá identificar elementos no cosmos a partir da frequência que emitem.
O BINGO, acrônimo em inglês para “Oscilações Acústicas Bariônicas em Observações Integradas de Gás Neutro”, será fonte de conhecimento científico para pesquisas internacionais e também vai proporcionar o desenvolvimento de diversos setores na Paraíba como o turismo, a educação para jovens, a tecnologia, entre outros.
Para o coordenador geral da colaboração BINGO, o professor Doutor Élcio Abdalla, do Instituto de Física da USP, o apoio do Estado da Paraíba é decisivo: “Estamos precisando nesse momento de um apoio efetivo, um ‘sim final’ para o projeto: a certeza de que podemos proceder na construção e antever um início efetivo científico das observações. Com o que já preparamos, podemos dizer que em meados de 2022, nós estaremos com um projeto em mãos e provavelmente em agosto teremos as primeiras observações já sendo analisadas.”
O calendário para a instalação do equipamento sofreu atrasos, mas Abdalla considera a complexidade dos trabalhos e a situação atual: “Eu não conheço outro projeto (científico) que esteja pronto dentro da previsão. E nós perdemos dois anos, efetivamente, por causa da pandemia”.
A colaboração BINGO tem como maior financiador a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo que já garantiu recursos da ordem de 12 milhões de reais, além de parcelas menores provenientes através do MCTI, pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), pelo governo da Paraíba através da Fapesq, e pela Universidade Yangzhou, da China, totalizando um orçamento de 14 milhões de reais.
BINGO trará conhecimento sobre a energia escura
“Eu estou alegremente exausto”, disse o professor da USP Élcio Abdalla, liderança em pesquisas de física teórica, reconhecido internacionalmente. A alegria vem das conquistas e a exaustão, naturalmente, pelo trabalho. “Quem faz ciência e tecnologia, não faz por oportunidade de negócio, ou para ter um emprego. O cientista está interessado no seu projeto, porque é um projeto de vida”. O radiotelescópio BINGO ocupa essa posição entre as prioridades do professor.
Se estivesse aposentado, Élcio Abdalla receberia a mesma remuneração com a qual vive atualmente, como professor titular no Instituto de Física, na USP, mas a dúvida existencial persistiria: “Quais são as nossas origens?”
“Eu trabalho desde o início dos anos 2000 com o setor escuro do universo. O encontro com essa parte observacional ocorreu por volta de 2010, 2011, como junções de visões que são as minhas e dos ingleses”, explica.
O que é o chamado setor escuro do universo?
“Há mais de 30 anos sabemos que o universo tem uma parte visível; essa parte visível somos nós, moléculas, elementos, o hidrogênio, o hélio… Os elementos conhecidos da tabela periódica constituem 5% aproximadamente do universo.”
“Quando observamos uma estrela brilhando, sabemos mais ou menos o que está ali: hidrogênio virando hélio, hélio virando elementos mais pesados… o que vai resultar no ferro…”
“E cadê os outros 95%? São a parte escura do universo. Que exista, não há dúvida. A pergunta é, o que ela é?”
“Há modelos simplificados dizendo que essa parte escura será simplesmente uma pequena constante, um líquido transparente, mas isso não condiz com as teorias que temos, que queremos unificar em teorias maiores.”
“Existe a possibilidade de essa parte escura ter uma estrutura e aí vem a pergunta:
Essa estrutura forma uma complexidade? (E agora vou falar bem baixinho, por causa da polêmica: forma “vida”, alguma coisa que seja alguma contrapartida do que nós existimos?)”
“Essa é uma pergunta transcendente que leva ao projeto.”
Projeto internacional é gerenciado por brasileiros
Um dos méritos do BINGO é ser o primeiro grande projeto gerido preponderantemente por brasileiros, com colaboração internacional. O Brasil participa de grandes projetos em outros países, e a astronomia brasileira é avançada, com pesquisadores relevantes. O grupo gestor, de sete pessoas, tem um pesquisador da China e os outros seis são brasileiros.
“Temos entre 70 e 100 pessoas no projeto”, informa Élcio Abdalla. “Setenta são físicos ou astrônomos; depois, temos engenheiros, outros interessados em aspectos educacionais que chegam a 100 pessoas. A colaboração internacional é dinâmica. O grupo chinês é formado por cerca de 25 pessoas e os outros da Inglaterra, França, Alemanha, Portugal, África do Sul e Suíça, são menores.
Élcio Abdalla já trabalhou como pesquisador e professor visitante na China, na Inglaterra, na Alemanha, Itália, Suíça, locais onde firmou relacionamento científico com pesquisadores de ponta. A colaboração com estudiosos chineses ocorre há mais de 20 anos, quando Élcio e outro colega chinês trabalhavam com problemas de cosmologia, como a estrutura do setor escuro:
“Houve um interesse por parte da Universidade de Manchester de construção de uma contrapartida observacional desta teoria que nós fazemos. Manchester é onde foram construídos os primeiros radares durante a Segunda Guerra Mundial; lá está o Jodrell Bank, com uma contribuição histórica, que também é um local distante, com um museu local, onde está um observatório de radioastronomia. No início, foi uma colaboração UPS/Manchester. Essa colaboração cresceu, eles colocavam aspectos tecnológicos, mas também não dominavam a construção das cornetas, iniciaram de maneira que não daria certo posteriormente. A construção foi refeita no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE. Foi quando o INPE, em São José dos Campos, entrou no projeto.”
“Havia uma proposta de construção do radiotelescópio no Uruguai, não deu certo; no final, tomei uma decisão praticamente unilateral minha, para trazer fisicamente para o Brasil e felizmente encontramos na Paraíba o local apropriado, tanto do ponto de vista físico quanto acadêmico e a colaboração foi crescendo.”
“Eu trouxe os meus colaboradores chineses e foi uma integração de excelência porque trouxe recursos e pessoal (técnico e instrumental). Manchester colabora no aspecto instrumental. Há pessoas na Alemanha, ligados a mim, teóricos, que estão desenvolvendo um dos grupos ativos na teoria e os franceses também, mais ligados à teoria numérica. Todos desenvolvem estágios, que na verdade são compartimentos diferentes do projeto.
Eu participo de todos, às vezes com contribuição mais científica, outra mais administrativa.”
[Big Science]
A ciência se desenvolve em vários aspectos, seja de alta competência, artesanal, seja de vanguarda, ou de retaguarda. A Big Science é uma ciência de grandes projetos, que querem grandes resultados. Um pesquisador sozinho não consegue transmitir esse conjunto de aspectos que um projeto de big science alcança. O BINGO quer vários grandes resultados:
- Saber sobre a estrutura do universo, de distribuição de massa.
- Saber o que é a parte escura do universo (95% do universo é desconhecido).
- Saber o que são as rajadas rápidas de rádio que correspondem a uma aniquilação total de mil trilhões de quilogramas de matéria em energia pura, corresponde a 3 dias de sol sobre todo o horizonte solar.
- A big science está ligada com a produção tecnológica, com patentes a seres concedidas. O BINGO tem projetos técnicos, subjacentes ao projeto total, que serão consequência.
- Formação de pessoal que sabe lidar com big data, uma contribuição para a sociedade.
- No aspecto educacional, a big science consegue colocar para a população o que é essencial hoje, em vista da pandemia, em vista do posicionamento anti-ciência de vários grupos.
Elcio Abdalla
Coordenador geral do Projeto BINGO
Professor do Departamento de Física e Matemática da Universidade de São Paulo, Brasil.